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ALLOCUÇÃO

PROFERIDA NA SESSÃO PUBLICA

DA

ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA

EM 15 DE MAIO DE 1877

PELO VICE-PRESIDENTE

ANTONIO AUGUSTO DE AGUIAR

SENHORES:-Permitte-me Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Fernando, nosso Egregio Presidente Perpetuo, que eu erga hoje a voz n'este recinto para abrir em seu Real Nome, a sessão annual da Academia, que segundo as praxes se celebra com toda a pompa e luzimento, marcados em os nossos estatutos, na Presença de Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz, Augusto Protector d'este instituto scientifico, e perante o respeitavel auditorio em que vejo representadas as principaes corporações do paîz.

Não me compete a mim, apenas satisfeita a honrosa formalidade a que sou chamado pelos deveres do meu cargo -que exerço pela alta benevolencia e nunca desmentida affeição de todos os meus collegas-traçar-vos a historia nem o quadro da vida intellectual do periodo academico, decorrido desde a ultima vez, que em observancia da lei, nos encontrámos reunidos n'este logar.

Esta tarefa será como sempre dignamente desempenhada pelo nosso illustre secretario geral, que no dia de hoje, por mais de um motivo, abrilhantará a sessão com o seu dizer elegantissimo e vernaculo, pondo em relevo os serviços prestados á sciencia e ás lettras pelos nossos consocios, e compendiando em substancioso relatorio os factos principaes do nosso viver intellectual durante os ultimos dois annos.

Impõem-nos os costumes e a tradição academica, n'este acto, a obrigação de commemorar as acções dos homens mais illustres, que tendo em vida contribuido para as glorias da patria, se afastaram de nós para nunca mais voltarem. É um dever de gratidão e de reconhecimento, que os povos civilisados não costumam olvidar, e que marca nas sociedades o grau de estima que merecem os que sabem cumprir este preceito.

Não sendo possivel exalçar as virtudes nem os meritos de todos os que trabalharam para diffundir o nome e a fama d'esta nação, não nos esqueceremos agora de prestar homenagem e tributo de saudade a alguns dos mais distinctos, havendo a Academia este anno escolhido para celebrar n'este dia a dois dos vultos mais proeminentes do seu gremio, para um dos quaes ainda o tempo não conseguiu enxugar o pranto com que lhe orvalhámos a campa.

Para cabal desempenho d'este dever, encarregou a Academia dois dos seus benemeritos confrades de tecerem o panegyrico do immortal cantor da Primavera e dos Ciumes do Bardo, pagando conjuntamente uma divida antiga å memoria de outro alevantado engenho, cujo nome eccôa ainda nos dois hemispherios, e a quem a sorte concedeu a subida honra de dirigir os primeiros passos da educação do nosso abalisado Socio Honorario o Senhor D. Pedro I, Imperador do Brasil.

Tudo se congrega e está disposto para que eu resuma o mais possivel a minha allocução, e não roube sequer um

momento á realisação do programma d'esta solemnidade academica, protraíndo sem vantagem o instante que anciosos esperamos de ouvir os eminentes academicos, que juntarão hoje aqui às suas corôas de litteratos eximios, novos florões que enalteçam e nobilitem o seu passado glorioso.

Cumpre-me, porém, antes de concluir, agradecer ao Monarcha Portuguez e a Sua Augusta Esposa a Excelsa Princeza a Senhora D. Maria Pia e ao nosso Egregio Presidente, as provas nunca desmentidas de affecto que sempre nos teem manifestado, presidindo ás nossas festas litterarias e scientificas, ás quaes o publico concorre com verdadeiro jubilo e enthusiasmo.

Senhores!-A Academia Real das Sciencias, cuja vida está prestes a perfazer um seculo, é uma corporação que continúa a merecer os respeitos e consideração dos institutos scientificos estrangeiros, com os quaes mantem as mais estreitas relações de confraternidade; procurando debaixo d'este ponto de vista continuar as tradições dos seus antepassados, e satisfazer aos fins para que fôra instituida pelos seus fundadores.

Mais modesta, mas não menos util que as sociedades analogas das outras nações, precisa não só desempenhar-se dos encargos que estão commettidos ás corporações estrangeiras de egual indole, senão tambem lhe pertence vulgarisar as boas doutrinas e evangelisar os principios scientificos, que o nosso afastamento geographico dos grandes centros da actividade humana, não permitte que se espandam com a desejada rapidez nas differentes camadas sociaes.

Embora com varia fortuna, tem atravessado incolume as crises mais temerosas que abalaram a sociedade no ultimo seculo tão cheio de recordações historicas, e até nos tempos do obscurantismo e durante as luctas da tyrannia, soube conservar-se na altura que lhe estava designada.

A luz do entendimento, sejamos imparciaes, nunca se apagou aqui; e a maior parte dos academicos, nos diversos periodos da existencia d'este instituto, souberam, quer na tribuna quer nas escolas, já na imprensa já no livro, cumprir não só o lemma que a nossa corporação tomou por divisa dos seus trabalhos, senão tambem manter com a força de seus espiritos, os privilegios que a natureza só concede ás organisações superiores.

Preparando-se para em breve celebrar a festa do centenario da sua fundação, manifesta que não se esqueceu egualmente dos que á custa de perseverantes esforços e incalculaveis sacrificios, quasi sem outros recursos que não fossem os da sua vigorosa iniciativa; sem outro ecco mais que a profunda convicção do alto serviço que prestavam; nem outro premio que a satisfação intima da consciencia, levantaram um padrão immorredouro à sua memoria e á sua patria.

Tem um seculo de existencia em breves dias o nosso instituto, mas não é uma corporação caduca. Amando as lettras e as sciencias, ama egualmente o progresso e a liberdade.

Como as almas generosas, poucas instituições semelhantes terão dado eguaes exemplos de tolerancia. Como as escolas mais progressivas, tem aberto os braços a todos os trabalhadores convictos, venham d'onde vierem, e sejam quaes forem as idéas que professem. Como corporação nacional tem evitado não poucas vezes que as paixões odientasa ingratidão e a inveja―apaguem da memoria dos nossos concidadãos, os nomes sympathicos dos seus filhos mais prestantes, apontando ás gerações futuras as obras que a patria deve ao esforço e ao engenho dos que melhor souberam engrandecel-a: já desenterrando-as do pó dos archivos, já evitando que a indifferença publica as envolva na sombra tenebrosa que projecta, e cujos effeitos são comparaveis á voracidade do fogo que destroe com a mesma ce

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