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Entre a Hespanha e Portugal e as nações ibero-americanas não temos, essa é a verdade, um codigo de direitos e deveres, que governem estas nações em tempo de paz ou guerra; não existe um direito internacional formulado pela lei e sanccionado por ella. Todavia antes da lei ser escripta, ou codificada, havia sentenças, tribunaes, e, desta ou da quella forma, a administração da justiça. A propria Inglaterra, ainda agora não redusio a codigo suas leis castello rouqueiro do tempo da feudalidade como lhes chama Blackstone, e todavia lá os tribunaes exercem suas attribuições, julgam. E porque antes de haver leis, já havia casamentos, successões, propriedade, credores. devedores; puniam-se os crimes e não havia leis penaes; vê-se que os codigos não são a unica fonte do direito.

Mostra se-nos elle expresso nas instituições, usos e costumes nacionaes, nos usos, costumes, arestos, e casos julgados, admittidos pelo direito internacional dos differentes povos. Decorre do direito natural das gentes, da auctoridade moral dos tratadistas, rege-o o bom senso, e chamam-lhe justiça, se tira sua existencia não só da comprehensão do direito, mas d'essa comprehensão consoante ás circumstancias e á actual civilisação dos povos. Em todos elles é egual nos seus fundamentos; varia nas suas applicações; e o conhecimento dellas se é tirado não só da observação em geral, e experiencia do mundo, mas dos conhecimentos especiaes sobre este ou aquelle assumpto, nobilita o julgador. Depois que, existem principios ou melhor dis. posições, que, sendo acceitas por differentes estados, teem, já agora, um caracter taxativo e a força de lei. «D'este numero, diz Bluntschli (p. 5) são, por exemplo, o accordo feito no congresso de Vienna, em 1815, acerca dos <rios communs >> e direito de embaixada, as decisões do congresso de Paris de 1856 emquanto ao direito maritimo, a convenção assignada em 1864, em Genebra, para a melhora da sorte dos militares feridos e doentes, e tambem e muito em especial, o projecto relativo ás leis e costumes da guerra, redigido em uma conferencia internacional official, reunida em Bruxellas, em 1874, projecto que tem quasi todos os caracteres de uma codificação internacional das leis da guerra. Certamente taes disposições, umas já acolhidas pelos estados, outras consagradas pela opinião publica, mercê da sciencia de seus authores, e tantas provindas de tratados, congressos, e sentenças arbitraes, certamente, repito, constituem um direito hypothetico e o mais pratico, e o mais util, para o julgamento dos juizes compromissarios. Assim, a nós nos quer parecer, que a falta de um codigo systematico, e formulado em todas as suas partes, com a precisão da lei escripta, não pode empe. cer a constituição positiva da arbitragem. Quando não vallessem tantas decisões e casos julgados, precedentes de valor, que são de certo a base de jurisprudencia internacional, ahi estavam os.notaveis projectos de codigo, dos insignes publicistas Bluntschli e Dudley Field. que, pelas circunstancias em que foram feitos e pela authoridade de seus authores, tem quasi a força de uma lei. Uns e outros já os temos visto citados em documentos governativos, e até a sua doutrina acceita pelos estados no regulamento dos conflictos internacionaes. Depois no silencio dos textos, supria o pretor de propria iniciativa, creava; e como diz Cicero da jurisprudencia penitus ex intima philosophia hauriendam juris disciplinam.

uma

A falta de uma lei de processo, tambem nos não parece muito sensivel:

1.o Porque existem os precedentes de outras arbitragens;

2.o-Porque a lei do processo civil, pode ser, em certos casos de proveito que se adopte;

3.0-Porque a especialidade da causa determinará, muitas vezes, a necessidade de certas formulas a empregar;

4.0-Porque as proprias partes, ou os arbitros, melhor sabem quaes os meios de prova de que devem lançar mão. E tanto isto é assim, que o proprio instituto de Gand (1), que approvou un regulamento de processo para os tribunaes arbitros, diz no art. 12:-Se o compromisso ou uma convenção subsequente das partes, prescreve ao tribunal o modo de processo a seguir, ou a observancia de uma lei de processo determinada e positiva, o tribunal arbitral deve conformar-se a esta prescripção. Na falta d'ella o processo será escolhido livremente pelo tribunal arbitral, que é sómente obrigado a conformar-se aos principios que elle declarou ás partes querer seguir.-Além do quê, salvo disposição contraria, ou clausu!a comprommissoria, do tratado em que duas nações, se louvaram em arbitros, podem estes seguir o processo do art. 15 do Regulamento arbitral internacional, do instituto de Gand.

Removidas d'est'arte, a nosso entender, as duas difficuldades:—a da carencia de lei internacional e a do processo estatuido,-vejamos como devam ser organisados os tribunaes. No dizer de do Rousseau, os costumes vencem lei. Não seria pois de estranheza que fossemos procurar aos precedentes a maneira porque tem sido organisados os juizos arbitraes para ahi tomar lição para o nosso objecto. Infelizmente os costumes ou pratica das differentes nações n'este campo da arbitragem, não nos offerecem uma serie de factos analogos, dos quaes possamos concluir um exemplo uniforme-uma lei. Tem-se empregado o juizo arbitral; mas sempre constituido de differente modo. Assim que, se já encontramos, como fica dito no capitulo II, investi. dos de taes poderes, jurisconsultos, reis e pontifices, corporações scientificas ou da judicatura, e, não raro, homens celebrados e de aptidões especiaes, egualmente, n'este seculo, em que o regimen da arbitragem resolveu tantos conflictos internacionaes, tem a decisão d'estes sido encarregue a chefes de estados, soberanos ou presidentes de republica, a authoridades civís ou ecclesiasticas (communas, corpos legislativos, tribunaes do civel, capitulos religiosos, etc.) a corporações scientificas e de direito, e tamben a cidadãos de um terceiro estado; a particulares de uma das nações; ou a delegados de am. bas. Não poucas vezes, os juizes compromissarios teem sido eleitos cumulativamente pelas nações entre as quaes se dá o conflicto, e pelos chefes dos estados neutros, tal foi o que succedeu na formação do tribunal de Genebra, chamado a julgar as reclamações de Alabama.» Vê-se portanto que as nações não teem seguido um methodo uniforme na maneira de constituir o tribunal de arbitros; e sobre o assumpto egualmente divergem os escrip

tores.

Uns, sem darem importancia ao modo de organisação d'esse tribunal, acceitando os povos com suas constituições, interesses e linguas differentes, quereriam erguer arbitro supremo das nações, ao summo pontífice. De sen. timentos eguaes para todos os povos, en rasão de seus deveres apostolicos; juiz imparcial, que não possue territorio, nem soldados, nem dymnastia, cujos interesses sejam identicos aos de outro cualquer soberano ou nação; em

(1) Instituto de direito internacional fundado em Gand em 1873.-Nas suas sessões do mez de agosto de 1875 approvou um projecto de regulamento para o processo arbitral internacional.

tal altura, onde só chegam arrefecidas as paixões, que na vida real adereçam os conflictos internacionaes; não sendo um chefe politico, antes no exercicio de magistratura moral reconhecida e acatada de povos e reis-deve o repre. sentante de S. Pedro, ser o juiz arbitro de monarchias e republicas; e, seja qual for a religião que professem. D'est'arte pensam alguns publicistas inglezes, argumentando com o proceder do principe de Bismarck, que em 1885, primeiro ministro de uma nação protestante e poderosa, acceitou o papa como medianeiro no conflicto d'este paiz com a Hespanha ácerca das ilhas Caroli nas e Palaos. Não irei a Canossa, diria o chanceler; mas, se o papa decide que nossas pretensões sobre as Carolinas não são justas, eu não questionarei as Carolinas aos hespanhoes. A auctoridade do chefe da egreja, d'este modo reconhecida até pelos seguidores de outro credo religioso, proclama bem claramente á intelligencia de todos, que, n'este seculo mesmo descrido, é elle ainda e em certos casos o arbitro natural do mundo civilisado. Esta é a convicção de innumeros catholicos, e pelo que merece registo e o nosso respeito. É certo, porém, que os melhores escriptores de direito das gentes regeitam tal doutrina, opinando que um tribunal de arbitros entre alguns povos, ou entre todos, mal cumpre seus deveres, se o não compõem os homens eminentes, das universidades e facultades de direito, e celebrados pelo seu estudo, saber juridico, firmeza de caracter, e imparcial rectidão. O livro de Mamiani (D'un nuovo diritto europeo), os trabalhos historicos de Guisot, (Historia dos governos representativos), que deffendem a soberania da razão, viriam a ser o fundamento de uma tal doutrina, ao presente propugnada pelos notaveis juristas e professores Francisco Lieber, Bluntschli, Pierantoni e Laroche. Todos allegam que um monarcha não deve ser escolhido arbitro— porque seus innumeros deveras politicos o impedem de dar seria attenção ao litigio, que lhe é sujeito. «Em verdade, diz Lieber, quando qualquer penden. cia internacional é submettida á decisão de um soberano, ou ao supremo representante de uma republica, isto é ao chefe do poder executivo, este a envia ao ministro da justiça ou a outro funccionario superior, o qual encarrega um conselheiro, um empregado, algumas vezes a uma commissão, de lhe apresentarem um relatorio, que submetta ao arbitro nominal. Aquelles, que decidem.realmente, ficam ignorados, ou pelo menos não assumem responsabilidade alguma, publica e final. Em bastantes casos d'esta natureza dá-se grave perigo, e seria inconsequente, o submetter as mais altas questões do direito e da equidade, a qualquer poder executivo e não a uma authoridade, celebrada pela propria sciencia juridica e directamente responsavel.» Além, d'estas razões, outras adduzio o sabio professor italiano Pierantoni, o qual, trazendo a hypothese de que os interesses do estado feito arbitro, podem ser identicos aos de uma das partes, e por isso influir na decisão-regeita os chefes do poder executivo para julgadores dos conflictos internacionacs. Outros tratadistas do direito das gentes, propõem tambem um tribunal mixto de jurisperitos e diplomatas, por se evitarem as tendencias exclusivas; e alguns, que cada paiz nomeie um delegado, e tenha egual representação no tribunal, sem que se meta em linha de conta, sua grandeza, importancia ou poder. Segundo estes, o tribunal collocado n'um paiz neutro, na Belgica ou Suissa, permanente, pelo que diz respeito á sua composição, só exerceria as funcções do seu cargo quando tivesse de resolver um conflicto. Os seus vo gaes, prohibidos de acceitar mercês, terras ou donativos, não receberiam salario fixo; e tão sómente as despezas de viagem e residencia; gosariam de

largas attribuições no conhecimento do letigio, e não só a de proferir a sentença final, mas a de julgar quaesquer questões interlocutorias em todos os incidentes do processo; finalmente não poderiam intervir nos negocios internos dos estados. Esta organisação da arbitragem, completada e aperfeiçoada pelo conde de Kamarowsky (Le tribunal international), que entende deverem ter os juizes arbitros educação especial, ser inamoviveis, ritribuidos permanentemente, e usarem da aposentação, tem hoje partidarios convencidos; e até um author inglez já redegiu, para o jury internacional um processo analogo ao que está em vigor na legislação civil de muitos estados da Europa. Os economistas, porém, seguem outro rumo. Na sua opinião um arbitro supremo só pode existir, quando os povos da Europa, adoptadas as instituições republicanas, formarem entre si uma grande associação. Então, um poder, legislativo, judiciario e executivo, collocado no centro, ve aria pelos estatutos do pacto federal, defendendo, sendo necessario, pelas armas a or dem ameaçada. A federação dos estados da Europa, com uma constituição regular, seria o unico organismo competente para garantir a manutenção da paz.

Tantos pareceres, embora os deffendam escriptores eminentes, teem sido impugnados: a arbitragem dos soberanos ou a de seus agentes diplomaticos-porque podem ser influidos das preoccupações politicas, e assim propenderem a favor de um dos estados contestantes; a arbitragem dos professores e jurisconsultos, porque, vivendo no dominio da sciencia exclusiva, mui tas vezes carecem dos conhecimentos praticos, que só dá a tracto dos negocios publicos; a da federação dos povos, porque as nações europeias, gloriosas do seu passado historico, da sua lingua, da sua litteratura, de tudo aquillo que constitue uma individualidade, difficilmente se unirão para um similhante ideal. (M. Rollin Jacquemins). O alvitre de um tribunal permanente de delegados de todas as nações, e com organisação propria, é o que tem atrahido até hoje maior numero de deffensores.

Emquanto a nós, diremos:

Senhores: Crear um tribunal permanente e supremo entre as nações, dar-lhe a authoridade de resolver suas pendencias, a faculdade de promulgar os codigos de direito internacional e de processo, o direito de os executar, e a força da maioria das nações para fazer cumprir suas sentenças-scria crear uma tal força, já robustecida pelo talento dos eleitos, que se a ambição nelles lhes corresse parelhas com o proprio saber-poderia trazer-nos aquelle homunculo de Alberto Magnus, que matou o sabio. Tudo deve ser simples nas cousas da vida. Ainda que se lhe marcasse a obrigação de não intervir nos negocios internos dos estados, teria tal prestigio, que não era de es tranhar, se um dia, aclamado pelas populações agradecidas, elle o arbitro, o supremo julgador, não se convertesse de defensor da cidade, em seu supremo governador (1). Quando, porém, não succedesse esta hypothese, é certo um

(1) Não duvidamos que venha a existir entre as nações um tribunal superior e arbitral; mas quer-nos parecer, se não vier essa solução naturalmente, que ella jámais poderá ser imposta, pelo convenio de alguns ou de muitos estados. A solução natural viria da existencia dos estados unidos da Europa, ao par da dos estados unidos da America, porque então o supremo tribunal federal resolveria os conflictos internacionaes; e, quando elles adviessem entre os povos, que o mar separa e aproxima, n'esse caso as pendencias seriam resolvidas, pela reunião dos dois tribunaes. Esta conclusão parece-nos legitima, e n'ella acreditamos. Fazem-nol-a suppor, a egualdade de pesos e medidas, a união postal, las transacções de commercio, as litteraturas semilhan

tribunal permanente, só por si, não é bastante para a manutenção da paz, porque, logo que suas sentenças não sejam obedecidas por um dos estados, elle pedirá a guerra das outras nações, contra a que não as acceitou. Virá pois o direito de intervenção armada; e todos sabem, pela historia contemporanea, quaes foram as consequencias perniciosas de um tal direito. Alem do que, a nação mais forte, se um dia for influida por algum interesse poderoso, ou da ambição de conquistas, ou da paixão de rivalidades, é de admittir possa in· fluenciar, mais hoje ou mais amanhã, nesse tribunal, para esmagar outras nações, em que deseje ter perdominio. E não será este, o reino da violencia e da força?

Um tribunal similhante, a ser possivel a sua existencia, jámais seria acceite pelas nações, sem grave risco da sua liberdade de acção e independencia. Os proprios jurisconsultos reconhecem o pezo d'estas reflexões, pois, querendo um tribunal permanente, dizem, -que elle é voluntario.

Mas, que valor deve merecer um tribunal de permanencia, que, pelo seu ministerio publico, não acode pelos casos occorrentes, mantendo a ordem? E se acudir, se a sua jurisdicção for obrigatoria, e tiver a força para a sancção dos seus edictos, não surgirão os perigos apontados? Eis porque, condemnada pelo lado político, se não pode admitir acima dos estados, uma tal instituição. Tem se dito, que a qualidade da permanencia lhe confere a virtude da imparcialidade, porquanto, não sendo creado para a occasião, não o preoccupam, a esse tribunal permanente, os interesses e as paixões do momento, sejam quaes forem-politicas ou outras. Esta rasão, todavia, nem nos parece de acolher, pois aquelle tribunal como outro qualquer é formado de homens e portanto susceptivel de paixões. A permanencia não lhe tira esse caracter. O que mais ou menos o colloca acima das vicissitudes humanas é a sua magistratura moral, a confiança nelle depositada, a sua illustração, integrida de, sciencia abundante do assumpto, conhecimentos especiaes. Mas, tudo isso se consegue escolhendo com acerto os juizes arbitros. A permanencia não lhe dá nem tira qualidades-não é indispensavel. Um tribunal em taes condições é de acceitar, quando ha um direito, estatuido; e ainda neste caso teriam de o formar, como no crime, com juizes jurados, mudaveis com as circunstancias, pois que o facto mal o pode avaliar, quem pela sua alta posição da judicatura, não conhece das cousas, eventualidades e circunstancias occorrentes. Poderiamos citar muitos exemplos, e um delles seria o das pescarias nas costas do Algarve. Un tribunal permanente, a não ser que tomasse peritos, jurados, não chegaria ao conhecimento de que a sardinha tem fugido para as costas de Portugal, e de que os pescadores hespanhoes se teem individado, pedindo de emprestimo grandes capitaes para a pesca dos galócs, e de que seus visinhos, os portuguezes, que não pediram esse dinheiro, não teem por emquanto artes aperfeiçoadas, etc... O conhecimento de tudo isto só podem tel-o os juizes commissarios do officio; só pode vir do exame dos logares, da causa da paixão dos povos. O juiz constituido, permanente, julga

tes, a universidade da lingua franceza, os cabos submarinos, o transporte rapido do pensamento e da materia pela electricidade e pelo vapor, e finalmente os principios juridicos communs a todos os povos, que hoje se elevam á altura de um direito especial, superior ao direito das gentes. Mas, organisar desde agora, e sem aquella federação um tribunal sobre as nações, coisa que nos parece impossivel, e nem d'ella cuidamos que virá a paz. A arbitragem é de necessidade; pode e deve regular-se desde já, deve entrar na lei, mas de um modo pratico, e que dê resultados immediatos. Tudo o mais do quê, será declamação.

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