Imágenes de páginas
PDF
EPUB

tes tribunaes do reino pelos nacionaes ou estrangeiros con quem as hajam contrahido, se n'elle tiverem domicilio, ou forem encontrados. Cit. cod., art. 5.

Todas as disposições do codigo commercial são applicaveis ás relações commerciaes com estrangeiros, excepto nos casos em que a lei expressamente determine o contrario, ou se existir tractado ou convenção especial que de outra fórma as determine e regule. Art. 6.

Segundo, pois, a legislação portugueza, as obrigações contrahidas fóra do reino pódem ser cumpridas em Portugal, como principio geral independentemente de tractado e da condição de reciprocidade; sendo, porém, demandados os portuguezes, devem elles ser domiciliados no reino, e sendo demandados os estrangeiros, devem estes ser encontrados no paiz e as obrigações ser contrahidas com portuguezes. É claro que, existindo tractados ou convenções, devem estas ser observadas.

A lei portugueza affastou-se n'este ponto do systema francez, consignado nos artigos 14 e 15 do codigo civil, segundo os quaes os francezes e estrangeiros pódem ser demandados em França pelas obrigações contrahidas fóra do paiz, ainda que não sejam encontrados em França, e sejam ou não estrangeiros os que tiverem contrahido taes obrigações (1).

Affastou-se egualmente do systema italiano, porque, podendo os italianos ser demandados pelos estrangeiros por obrigações contrahidas fóra do paiz, tambem estes o pódem ser por italianos ou por outros estrangeiros por obrigações contrahidas fóra do reino, contanto que alli tenham residencia, embora não sejam encontrados, ou sejam encontrados e citados pessoalmente, ainda que não tenham residencia; e ainda, quando não tenham residencia nem sejam encontrados, se se tractar de acções sobre bens immoveis, ou moveis existentes no reino, ou de obrigações que tenham origem em contractos ou factos praticados no reino ou ahi devam ter execução, e em todos os demais casos em que se possa dar a reciprocidade. Cod. civ., art o 3, e cod. do proc. civ., art. 105 e seguintes.

Póde concluir-se, segundo a lei portugueza, que as obrigações contrahidas fóra do reino por estrangeiros entre si não podem ser demandadas em Portugal, ainda que os estrangeiros aqui sejam encontrados, ficando, por isso, o assumpto dependente de tractado ou convenção especial; e esta é, na verdade, a conclusão mais logica, que se deduz do confronto dos artigos 26, 28 e 29 do codigo civil e da respectiva legislação commercial; mas na pratica não se tem recusado aos estrangeiros o accesso aos tribunaes portuguezes para fazerem cumprir os seus direitos e obrigações, quando estas são contrahidas no estrangeiro.

Os meios de tornar efficazes essas obrigações são, por tanto, a demanda ou acção estabelecida na lei, na qual tem de observar-se a pratica das diligencias e actos do processo em harmonia com a lei portugueza, e ainda a execução de sentenças emanadas dos tribunaes estrangeiros; guardando se em tudo o estatuto pessoal para o estado e capacidade civil, o estatuto real, ou lex situs, no que for concernente á propriedade immobiliaria existente no reino, e emquanto aos seus effeitos, que n'elle houverem de produzir se, e a lex loci para a forma externa dos actos juridicos. É esta, com pouca differen

(1) V. Calvo, Droit Intern. théorique et pratique, § 701 e seg.tes

ça, a doutrina que se deduz dos artigos 6 e seguintes das disposições preliminares do codigo civil italiano, e dos artigos 941 e seguintes do codigo do processo civil italiano.

2.o—A jurisprudencia hespanhola, fundada no Decreto de 17 de novembro de 1852, na lei da organisação judiciaria de 15 de setembro de 1870, e ainda no codigo do processo civil de 3 de fevereiro de 1881, têm tornado. competentes os tribunaes hespanhoes para o cumprimento das obrigações contrahidas em Hespanha, ou fóra da Hespanha, por estrangeiros, sempre que seja em favôr de subditos hespanhoes. Os estrangeiros têm direito a que se lhes administre justiça nas demandas, que propozerem perante os tribunaes hespanhoes, em harmonia com as suas leis, para o cumprimento das obrigações contrahidas em Hespanha, ou que ahi devam cumprir-se, ou quando versem sobre bens sitos em territorio hespanhol.

As sentenças emanadas dos tribunaes estrangeiros têm a mesma execução em Hespanha que as proferidas pelos tribunaes hespanhoes, attendendo se ao principio da reciprocidade e aos tractados, e cumprindo-se as disposições dos artigos 9 e seguintes do codigo do processo civil.

Nos negocios entre estrangeiros ou contra estrangeiros, ainda que não provenham de acção real nem pessoal por obrigações contrahidas em Hespanha, são comtudo os tribunacs hespanhoes competentes para as medidas urgentes e provisorias de conservação, como quando se pretenda evitar uma fraude, ou deter o devedor que queira ausentar-se, ou para a venda de effeitos sujeitos a deterioração, ou finalmente para o caso de tutella de um demente e outros casos analogos.

A compentecia dos tribunaes hespanhoes comprehende tambem os casos em que os estrangeiros promovam actos de jurisdicção voluntaria, intervindo n'elles ou comparecendo em juizo como demandantes ou demandados, contra hespanhoes ou contra outros estrangeiros quando na conformidade das leis ou dos tractados com outra potencia a jurisdicção deva conhecer d'esses casos. Costumam dispôr os tractados que os hespanhoes no estrangeiro e os estrangeiros em Hespanha gozem dos mesmos direitos e privilegios que correspondam ou possam corresponder aos naturaes ou naturalisados, e tenham, por consequencia, livre e facil accesso perante os tribunaes de justiça, tanto para demandarem como para defenderem seus direitos em todos os gráos de jurisdicção estabelecidos pelas leis (1).

O codigo civil manteve de pé esta jurisprudencia, dando aos estrangeiros em Hespanha os direitos que as leis civis concedem aos hespanhoes, salvo o disposto no artigo 2 da Constituição ou em tractados internacionaes. Com respeito aos direitos e devêres de familia, ao estado, condição e capacidade legal das pessoas, e bem assim com relação aos bens moveis estabeleceu o estatuto pessoal ou lei da nacionalidade. Para os bens immoveis regulam as leis do paiz em que estão situados, excepto quanto á ordem da successão legitima ou testamentaria, e validade das suas disposições. As fórmas e solemnidades dos contractos, testamentos e quaesquer instrumentos publicos estão sujeitas ás leis do paiz em que se outorgam. Cod. civ. art. 9, 10, 11 e 27 (2).

(1) V. Torres Campos, Derecho Intern. priv., Lecc. 20.a, 3. (2) V. Ernest Lehr, Elements de Droit civil espagnol, 9 e 10.

[ocr errors]

3.o-O Direito civil sul-americano está muito longe de ser uniforme e invariavel a este respeito, postoque sob diversos aspectos mantenha grandes similhanças (1).

O codigo civil da Republica Argentina estabelece que as leis são obrigatorias para todos os habitantes do paiz, quer sejam cidadãos ou estrangeiros, e estejam domiciliados, ou de passagem. A capacidade das pessoas ahi domiciliadas, sejam ou não nacionaes, rege-se pelas leis do paiz, ainda mesmo em relação a actos executados ou bens existentes em paiz estrangeiro, e a capacidade das pessoas domiciliadas fóra do paiz regula-se pelas leis do respectivo domicilio, embora se tracte de actos executados ou de bens existentes dentro do paiz. Os bens immoveis situados no territorio da Republica são regidos exclusivamente pelas leis do paiz, relativamente á sua qualidade como taes, aos direitos das partes, á capacidade de adquirir, aos modos de os transferir, e ás formalidades que debem acompanhar estes actos. Os bens moveis, que têm uma situação permanente e que se conservam com destino a serem transportados são regidos pelas leis do logar onde se acham; mas os objectos mobiliarios que o proprietario traz comsigo, ou que servem para uso pessoal, bem como os que se destinam a ser vendidos, ou transportados de um logar para outro, e quer se achem ou não no domicilio, são regidos pelas leis do domicilio do possuidor. Cod civ. art os 1, 6, 10 e II. Segundo o artigo 20 da Constituição de 1860, os estrangeiros gozam no territorio da nação de todos os direitos civis dos cidadãos.

Determina o codigo do Mexico que a lei civil é egual para todos sem distincção de pessoas nem de sexos, excepto nos casos especialmente declarados, e dispõe egualmente que as leis relativas ao estado e capacidade das pessoas são obrigatorias para os mexicanos do Estado, ainda mesmo que residam no estrangeiro, em relação aos actos que devam executar-se no todo ou em parte dentro dos limites do paiz. Art.os I e 3. Os bens immoveis, ainda que possuidos por estrangeiros, são regidos pelas leis do paiz. Art.o 14.

O codigo do processo civil mexicano, regula nos artigos 780 a 794 a execução das sentenças proferidas nos tribunaes estrangeiros, recahindo ellas sómente em acções pessoaes e satisfazendo a certas e determinadas condições, uma das quaes, e sem duvida a principal, é a existencia do principio de reprocidade.

O codigo do Chili não reconhece differença entre chilenos e estrangeiros para a adquisição e gozo dos direitos civis, e sujeita os nacionaes as leis patrias reguladoras das obrigações e direitos civis, ainda que elles residam ou tenham domicilio em paiz estrangeiro, e tanto pelo que diz respeito ao estado das pessoas e á sua capacidade para a execução de certos actos, que devam produzir effeitos no Chili, como para as obrigações e direitos que nascem das relações de familia. Art os 15 e 57. Os bens situados no Chili são regulados pelas leis do paiz, ainda que os possuidores sejam estrangeiros e residam fóra do paiz. Os contractos celebrados no estrangeiro são validos, mas os seus effeitos devem regular-se segundo as leis chilenas. Art.o 16.

No Chili tem as sentenças proferidas em paizes estrangeiros a força juridica que os tractados estabelecem, seguindo-se, na falta d'estes, o principio da reciprocidade.

(1) V. Calvo, Droit Intern. théorique et pratique, ?? 702 e seg.tos

Preceitúa o codigo do Perú que os direitos civis são independentes da qualidade de cidadão, e que os estrangeiros gozam de todos os direitos relativos á segurança das suas pessoas e bens, e bem assim da livre administração d'estes; todavia a adquisição dos immoveis e as condições do commercio dos estrangeiros dependem dos tractados com as respectivas nações e das leis e regulamentos especiaes. Art.os 32 a 34. A Constituição de 1856 dispõe no artigo 28 que todo o estrangeiro poderá adquirir propriedades territoriaes na Republica, ficando sujeito ás obrigações e gozando dos direitos dos peruvianos no que diz respeito ás ditas propriedades.

Segundo o artigo 924 do codigo do processo civil peruviano a execução das sentenças emanadas de paizes estrangeiros depende inteiramente dos tractados e do uso; a jurisprudencia tem, porém, limitado este uso ás simples medidas de instrucção e a considerar as sentenças definitivas como meios de prova documental.

O codigo civil da Republica de Uruguay tambem não reconhece differença alguma entre nacionaes e estrangeiros em relação á adquisição e gozo dos direitos civis. Os nacionaes domiciliados ou residentes em paiz estrangeiro ficam sujeitos ás leis da Republica. Os bens immoveis situados no paiz e os moveis, que ahi têm uma situação permanente, são regidos exclusivamente pelas leis orientaes, ainda que os seus possuidores sejam estrangeiros ou residam fóra do paiz. Art.os 22, 4 e 5.

No codigo civil da Guatemala encontra-se a mesma egualdade entre nacionaes e estrangeiros com respeito á adquisição e gozo dos direitos civis, bem como a mesma disposição para os bens immoveis situados no Estado, ainda que os possuidores sejam estrangeiros. Art.oo 51 e 5.

A Constituição da Republica da Bolivia de 1886 prescreve no artigo 10 que todo o homem goza dos direitos civis, cujo exercicio é regulado na lei civil.

Levar-nos-ia, de certo, muito longe um exame mais detido das legislações citadas, e mais longe ainda se por ventura do mesmo modo nos occupassemos das legislações de outros paizes; mas, além de que, para isso, fôra mistér dispôr de elementos mais precisos e de mais tempo, a verdade é, ao que parece, que a solução do problema pouco ou nada aproveitaria.

Seguindo o systema francez, quanto aos principios fundamentaes de direito internacional privado, estão os codigos da Belgica e dos Cantões suissos de Vaud, de Genebra, de Friburgo e de Berne; o codigo do Cantão de Zurich sujeita às suas disposições os estrangeiros residentes no Cantão ou que ahi estejam em juizo, mas rege as relações de familia e a materia da successão pelas respectivas leis nacionaes; a lei federal de 21 de junho de 1880 regula a capacidade civil dos estrangeiros pelo direito do paiz a que elles pertencem, excepto quanto ás obrigações contrahidas na Suissa e que ahi tenham de produzir os seus effeitos; como os codigos do Chili, do Perú, do Uruguay e da Guatemala está o codigo da Luiziania; o codigo da Austria sujeita os nacionaes e estrangeiros ás mesmas leis civis, respeitando comtudo o estatuto pessoal de uns e outros, fóra e dentro do paiz; os codigos da Hollanda e da Russia obrigam em tudo ás suas leis os estrangeiros, que respectivamente se acham n'estes paizes; todavia o estatuto pessoal acompanha os nacionaes no estrangeiro; o codigo geral da Prussia sujeita á lei do domicilio real os nacionaes e estrangeiros residentes no paiz, quanto á sua qualidade e capacidade pessoaes; a jurisprudencia da Inglaterra e a dos Es

tados Unidos tambem estabelecem, como principio geral, que o estado e a capacidade das pessoas se regem pel as leis do seu domicilio, mas admittem ao mesmo tempo a lex loci actus vel contractus, quanto á capacidade das pessoas e em relação aos actos pratica dos no estrangeiro.

IV

Esta immensa variedade de principios legislativos vem demonstrar com toda a evidencia a impossibilidade de resolver os conflictos internaci onaes e de aspirar ao exacto cumprimento reciproco das obrigações nos differentes paizes no actual estado da legislação. Esta diversidade de disposições não póde de modo nenhum explicar-se pela correspondente differença de necessidades, mas sim por uma falsa noção das relações juridicas internacionaes. Um mesmo individuo não póde tripartir-se a respeito de um mesmo acto para se reger simultaneamente pelo estatuto pessoal, pela lei do domicilio e pela lei do contracto. O principio da reciprocidade é demasiadamente inerte e egoista, como quem espera dos outros o que recusa dar-lhes espontaneamente, e, como tal, é evidentemente improprio de um systema de direito baseado na natureza humana, que considere cada individuo como collaborador dos progressos da humanidade a que pertence. Peior ainda é, de certo, o principio exclusivista, que tão sómente reconhece as obrigações dos estrangeiros en favôr dos nacionaes, ou que abandona os estrangeiros a si mesmos nas relações juridicas contrahidas fóra do paiz; n'estas duas hypotheses o ideal do systema só pode ser o isolamento, que a ninguem convém e todos condemnam por egual. O regimen dos tractados corrige, sem duvida, os vicios da legislação e póde resolver umas certas questões, mas é evidentemente incompleto e só subsidiariamente aceitavel.

O Estado póde e deve conceder toda a protecção aos estrangeiros, tanto nas suas relações juridicas entre si, como com os nacionaes, sem todavia os pretender assimilar desvinculando-os da mãe patria, uma vez que d'ahi não resulte offensa de direitos para a sua soberania, tanto no que respeita ás suas leis como á ordem publica; o Estado póde e deve ser generoso sem sacrificios, concedendo tudo que o não prejudique, porque de nada mais necessita, nem tem mais direito algum perante as necessidades dos outros. Não ha relação juridica que se não funde n'uma necessidade sociologica.

N'esta conformidade, é evidente que todos os esforços devem convergir ao mesmo tempo e primeiro que tudo para a unificação do direito internacional, inscrevendo as diversas nações os mesmos principios nos seus codi. gos, e supprindo as suas lacunas por meio de tractados, que conduzam á mesma unificação. A fórmula consignada nos codigos do Perú e do Chili, desconhecendo absolutamente quarquer differença entre nacionaes e estrangeiros, para a adquisição e gozo dos direitos civis, porque estes são independentes da qualide de cidadão, satisfaria, na verdade, este desideratum, se ella não absorvêsse, por assim dizer, o estrangeiro em nacionalidade alheia, isto é, se respeitasse as leis que o acompanham relativas ao seu estado e capacidade, como fazem o direito portuguez, o hespanhol, o italiano, o austriaco e outros; se acceitasse a lex loci para a fórma externa dos actos juridicos, á similhança do direito portuguez e de outros; e se, emfim, na mesma

« AnteriorContinuar »