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França do modo e nos casos previstos pelos artigos 2123 e 2128 do codigo civil. No primeiro d'estes artigos estatue a lei que das sentenças proferidas em paiz estrangeiro só resulta hypotheca, quando essas sentenças forem declaradas executorias por um tribunal francez, sem prejuizo das disposições contrarias estabelecidas nas leis politicas ou nos tractados; no artigo 2128 estabelece-se o principio de que os contractos celebrados em paiz estrangeiro, não pódem crear hypotheca sobre bens situados em França, salvas as disposições contrarias contidas nas leis politicas ou nos tractados.

D'aqui resultou uma jurisprudencia bastante variavel e fluctuante por muito tempo não só quanto á concessão ou recusa do exequatur, mas tambem a respeito do exame necessario para esse exequatur, e principalmente sobre o objecto do exame, isto é, se elle devia de recahir tão sómente sobre a fórma da sentença ou se tambem no fundo da questão. N'esta conformidade a sentença estrangeira só adquiria a maior parte das vezes a força de um documento susceptivel de apreciação pelos tribunaes francezes, excepto quando comprehendia somente estrangeiros porque então tinha a força de cousa julgada; mas a jurisprudencia mais recente tem-se todavía accentuado de harmonia com os principios do moderno direito, limitando o exame das sentenças á verificação d'um conjuncto de condições relativas á competencia, á sua execução no paiz d'onde emanam, como julgamento definitivo, á revelia das partes, cemfim a saber se a legislação franceza é ou não incompative com a applicação feita n'essas sentenças do direito da respectiva nação (1).

Na Belgica, a lei de 25 de março de 1876, artigo 10, subordina a execução das sentenças estrangeiras a um novo exame tanto sobre o fundo da questão como sobre a fórma do debate. A este principio geral abre a lei apenas uma excepção para o caso de existir entre a Belgica e o paiz, onde foi proferida a sentença um tractado de reciprocidade, porque então o exame versa tão sómente sobre os seguintes pontos: 1.o se a sentença contém ou não alguma cousa contraria ao direito publico e principios de ordem publica; 2.0 se a sentença tem ou não força de cousa julgada, segundo a lei do respectivo paiz; 3.o se, de harmonia com esta lei, a sentença reune as condições necessarias á sua authenticidade; 4.o se foram respeit dos os direitos de defeza; 5.o se o tribunal que a proferiu é ou não unicamente o competente em razão da nacionalidade do demandante (2).

Os artigos 660 e 661 do codigo do processo civil allemão admittem a execução das sentenças estrangeiras, observando-se em sua maior latitude o principio de reciprocidade e os tractados, por meio de uma sentença de exequatur proferida pelo juiz do domicilio judicial do devedor ou na falta de domicilio, por aquelle perante o qual este possa ser citado, segundo os principios da competencia. Só póde recusar-se o exequatur em qualquer dos seguintes casos: 1.0 quando a sentença não tiver a força de cousa julgada. nos termos da lei do respectivo paiz; 2.o quando a execução versar ácerca de um acto prohibido pela lei allemá; 3.o quando a auctoridade, que tiver pro ferido a sentença, fôr incompetente, segundo a lei allemá; 4.o quando o devedor fôr allemão e não tiver sido citado pessoalmente no paiz onde correu

(1) V. Charles Constant, De l'exécution des jugements, pag. 15 a 28; Calvo, Droit Intern. théorique et pratique, § 875 e seg. tes; Durand, Essai du Droit Intern. privé, chap. 111, § 225 e seg.tes. (2) lbidem, pag. 111 e 112.

o processo, nem na Allemanha por via de commissão rogatoria; 5.o quando não estiver garantido o principio de reciprocidade.

Na Inglaterra, postoque alli não haja texto de lei expressa sobre este assumpto e a jurisprudencia seja em geral extraordinariamente complicada, comtudo a execução das sentenças proferidas em paiz estrangeiro tem attingido a maxima simplicidade. N'este paiz essencialmente pratico como naturalmente egoista, o credor, que pretende a execução de uma sentença contra o seu devedor, não tem mais que apresentar uma copia authentica da mesma sentença devidamente sellada pelo tribunal que a expediu, e legalisada a assignatura do magistrado pelo ministro ou consul inglez, que certifi carão ao mesmo tempo a competencia do referido magistrado.

O respeito pelo caso julgado vae tão longe que não admitte a menor emenda, ainda mesmo que contra elle se invoque uma interpretação errada da legislação ingleza, porque «o tribunal estrangeiro deveria ser informado d'essa legislação, e, se o executado a não fez conhecer ao respectivo tribunal, que impute a si o seu desleixo, e não póde, por isso, com tal fundamento oppôr-se á execução da sentença» (1).

Entretanto, diz Calvo, a jurisprudencia ingleza admitte, como regra geral, sem exame prévio, as sentenças estrangeiras considerando as definitivas para serem executadas, salvas as restricções impostas pelos tribunaes em relação á sua competencia, ás exigencias universaes da justiça internacional, taes como a boa fé da parte dos juizes e a regularidade das citações, e ás consi derações da moral é da ordem publica. Quanto a considerar as sentenças estrangeiras no seu fundo, os tribunaes inglezes estabelecem uma distincção entre as sentenças in rem e as sentenças in personam ou inter partes, e applicam principios differenies a umas e outras. Em questão de competencia os tribunaes inglezes não se julgam competentes para conhecerem das acções in rem tendentes a adquirir a posse ou propriedade de bens moveis ou immoveis existentes fóra dos limites da jurisdicção territorial ingleza. Ainda assim. não confundem os contractos de hypotheca, de sociedade e outros, em que os immoveis entram de uma maneira secundaria, com os contractos de venda de casas ou terras no estrangeiro, nos quaes a propriedade immobiliaria é o seu unico objecto As sentenças proferidas em acções pessoaes, in personam ou inter partes, têm na Inglaterra a mesma auctoridade que as sentenças nacionaes, se emanam de tribunaes competentes e não offendem os princi. pios de direito internacional ou não implicam injustiça manifesta.

En resumo, póde considerar-se, como regra geral estabelecida em Inglaterra, que as sentenças estrangeiras têm alli a força de definitivas; todavia o executado póde provar que o tribunal estrangeiro era incompetente, que não teve conhecimento de nenhuma das peças do processo, ou que a sentença foi obtida de uma maneira fraudulenta (2).

Na Suissa estabelece o artigo 61 da Constituição federal que as sentenças definitivas de um Cantão sejam executorias em toda a federação. A execução das sentenças dos outros paizes depende das condições especiaes dos trac

(1) V. Charles Constant, De l'exécution des jugements, pag. 89 e seg tes, Westlake, On Private Intern. Law, § 311 e seg.tes

(2) V. Le Droit Intern. théorique et pratique, § 877, Vol. II, pag. 370 e 371. Cumpre notar aqui que este escriptor é deficientissimo em relação ao direito portuguez. Na su edição de 1888 considera ainda este direito no estado em que se achava ha um quarto de seculo, anteriormente ao codigo civil portugucz de 19 de julho de 1867 e que começou a vigorar em 1868.

tados e da legislação particular de cada Cantão; mas, em geral, o conselho d'Estado, que é quem na maior parte dos Cantões concede o exequatur, attendendo mais ou menos ao principio da reciprocidade, limita-se ao exame da fórma e da competencia, sem entrar no merecimento da questão.

Pódem considerar-se perfeitas excepções a esta regra as disposições cantonaes, que vamos indicar. Nos termos do artigo 258 do codigo civil do Cantão de Bâle Cidade, a execução das sentenças concede-se por via executiva, mas, no caso de opposição, carece ella de uma acção ordinaria Pódem servir de fundamento á opposição as seguintes excepções: incompetencia do tribunal; não ter a sentença passado em julgado ou não se achar devidamente authenticada; excesso na execução principalmente, quanto ás custas pedidas; todas as demais fundadas na extincção total ou parcial da divida. Segundo o artigo 346 do codigo do processo civil do Cantão do Tessino, depende a execução das sentenças de um decreto de auctorisação com previa citação e audiencia das partes interessadas, ás quaes todavia não é permittido discutir o merito da questão. O exequente é, porém, obrigado a prestar caução, tanto no caso de haver appellação, como quando, sendo estrangeiro e não possuindo bens no Cantão, pretenda dar á execução um titulo sem força de cousa julgada. No Cantão de Friburgo a jurisprudencia tem limitado o exame das sentenças á sua fórma sómente, e concede o exequatur, sem prejuizo de opposição, logoque ellas se possam tornar executorias com a mesma força das sentenças do paiz. O artigo 376 do codigo do processo civil do Cantão de Genebra permitte que os tribunaes concedam a execução das sentenças, ouvidas ou devidamente citadas as partes e o ministerio publico, sem prejuizo das disposições dos tractados. Segundo o artigo 315 do codigo do. processo civil do Cantão de Lucerna, o juiz encarregado de conceder o exequatur deve, sobre tudo, attender a se existe ou não o principio de reciprocidade com o paiz onde foi proferida a sentença, conhecendo na hypothese negativa do fundo da questão. Na conformidade do artigo 867 do codigo do Cantão de Neuchatel a execução das sentenças estrangeiras depende da existencia de tractados, e, no caso de existirem, o tribunal de segunda instancia só póde recusar o exequatur em qualquer das seguintes circumstancias: incompetencia do tribunal; falta de representação das partes ou da sua revelia; opposição das sentenças com as regras do direito publico ou com os interesses da ordem publica. Nos Cantões de S. Gall e de Schaffouse executam-se as sentenças segundo as convenções internacionacs e o principio de reciprocidade, verificando-se comtudo previamente se ellas têm ou não á força de definitivas e se emanam de auctoridades competentes. No Cantão da Thurgovia a execução das sentenças pede se ao tribunal superior nos termos do artigo 292 da lei de 1.o de maio de 1869, e este tribunal concede ou recusa o exequatur a seu arbitrio (1).

3.0-Passemos agora a examinar o modo como se executam as sentenças estrangeiras segundo a principal legislação sul-americana.

No Brazil é ainda a legislação do regimen imperial que regula este assumpto como subsidiaria da legislação republicana. Segundo o decreto de 27 de julho de 1878, que regulou a disposição do artigo 652 da lei de 4 de agosto

(1) V. Charles Constant, De l'exécution des jugements, pag. 193 e seg.tes

de 1875, as sentenças estrangeiras proferidas em materia civil e commercial são executadas, dando-se as seguintes condições: que a nação onde foram proferidas admitta o principio da reciprocidade; que se achem revestidas das formalidades intrinsecas necessarias á sua execução, segundo a lei do respectivo Estado; que tenham passado em julgado; que sejam devidamente legalisadas pelo consul brazileiro; que estejam acompanhadas da sua traducção feita por interpretes ajuramentados. Não obstante o concurso d'estas condi. ções, as sentenças só podem ser executadas não contendo disposições contrarias á soberania nacional, como se, por exemplo, distrahissem um brazi leiro da jurisdicção dos tribunaes nacionaes; ás leis rigorosamente obrigatorias fundadas em motivos de ordem publica, tacs como as prohibitivas da successão das corporações de mão morta; ás leis que regem a organisação da propriedade territorial; ás leis da moral, taes como se a sentença admitte a polygamia ou convenções reprovadas.

Verificadas todas estas condições pelo juiz a quem a sentença fôr apresentada, deve este pôr-lhe o cumpra se. Do indeferimento cabe o recurso de aggravo de petição ou de instrumento. O processo da execução e seus incidentes é regulado pelas leis, usos e praticas em vigôr no paiz, e admitte por parte do executado todas as excepções fundadas na falta das mencionadas condições, e ainda as modificativas da obrigação e offensivas do caso julgado em relação ás circumstancias especiaes do executado (1).

Em conformidade dos artigos 780 a 794 do codigo do processo civil do Mexico as sentenças estrangeiras só pódem ser alli executadas, quando exista o principio de reciprocidade entre este paiz e aquelle d'onde emanam as mesmas sentenças, conco rendo, ainda assim, as seguintes condições: que tenham sido proferidas em acções pessoaes; que não tenha havido revelia das partes; que a obrigação, cujo cumprimento se pede, seja licita na Republica; que sejam executorias segundo a lei do seu respectivo paiz; e que reunam as condições de authenticidade estabelecidas no codigo (2).

No Perú estabelece o artigo 942 do codigo do processo civil.que as deci sões estrangeiras sejam executadas confórme os tractados ou o uso, que houver entre o Perú e as outras nações; mas, segundo o uso, quando uma sentença definitiva seja apresentada como instrumento publico póde servir para a prova de facto; quando se pede a sua execução, depende esta das condições estabelecidas nos tractados. Em caso nenhum, porém, póde a sentença offender os principios do direito publico e privado do paiz, e dar-se á execução sem o exequatur concedido pelas auctoridades nacionaes (3).

Segundo o artigo 208 do codigo do processo civil do Chili, as sentenças estrangeiras têm alli a força, que os tractados estabelecem, e, na falta de tractados, rege o principio de reciprocidade. Em todo o caso, as sentenças só pódem ser executadas satisfazendo as seguintes condições: não serem incompativeis com o direito publico chileno, nem contrarias á moral bons costumes; não se acharem em conflicto com as jurisdicções nacionaes; não serem proferidas á revelia das partes; devem ter força de cousa julgada na conformidade das leis do paiz d'onde ellas emanam (4).

(1) V. Charles Constant, De l'execution des jugements, pag. 124 e seg.tes (2) Ibidem, pag. 168.

(3) Ibidem, pag. 163 e seg.tes

(4) Ibidem, pag. 132.

Na Republica do Haiti dispõe o artigo 470 do codigo do processo civil que as sentenças proferidas pelos tribunaes estrangeiros não são alli executorias. Todavia, quando existam disposições contrarias á este principio, quer nas leis politicas, quer nos tractados, as sentenças só pódem ser executadas depois de legalisadas pelo juiz superior da Republica, e de revestidas com o exequatur concedido pelo presidente do tribunal civil da circumscripção onde fôr pedida a execução (1).

Podemos, sem duvida, terminar aqui o confronto das differentes legisla ções sobre este assumpto, porque do exposto se deduz facilmente uma idêa dos seus diversos systemas e das vantagens ou inconvenientes que uns tenham sobre os outros.

VII

N'esta conformidade, póde, por certo, concluir-se que nenhum Estado recusa abertamente e em absoluto a execução das sentenças proferidas no estrangeiro, ainda que a não admitta como principio em lei expressa, porque ou regulam as condições especiaes dos tractados ou o principio de reciprocidade; mas algumas legislações ha que, admittindo a execução, vão todavía tão longe e são tão ciosas da sua soberania no complexo de condições que exigem, que chegam a converter o principio n'uma simples ficção juridica sem realidade pratica; outras ainda escravisam se inteiramente a uma jurisprudencia casuistica, quasi sempre duvidosa e incerta, ou abandonam as questões aos usos e ao mero arbitrio dos tribunaes ou dos governos.

É, pois, sensivel a necessidade de unificar o direito sobre este assumpto, apagando differenças que de nenhum modo se justificariam, quando mesmo as relaçoes internacionaes devêssem assentar na desconfiança reciproca. Em direito expresso nenhuma legislação encontrâmos mais completa e liberal do que a contida no codigo do processo civil portuguez; em jurisprudencia nenhuma nação se approxima da Inglaterra, onde todavia não são vulgares as liberalidades nas questões com os estrangeiros. Mas convencemos-nos de que nem aquella legislação nem esta jurisprudencia se poderão tomar como typo isento de imperfeições para regular esta importantissima especie de interesses internacionaes.

Porque appellar para os tractados, ou invocar o principio de reciprocidade positiva ou negativa, quando uma disposição expressa em harmonia com as tendencias cada vez mais crescentes do cosmopolitismo humano tem só a vantagem de aproveitar a todos sem prejudicar a ninguem?

Porque escrupulisar tanto a respeito das condições intrinsecas das sentenças, quando aliás as proprias partes devem ser os primeiros fiscaes dos seus direitos?

Adimitte-se facilmente que uma sentença estrangeira se não execute independentemente de revisão, porque só por este meio póde um Estado certi. ficar-se do respeito pela integridade da sua soberania, dos direitos dos seus nacionaes e da protecção que deve aos estrangeiros. Comprehende-se bem

(1) V. Charles Constant, De l'execution des jugements, pag. 153.

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